Texto por: Joice P. Constantini
Mulher, negra, prodígio, ativista dos direitos civis, conheça a história dessa grande termitóloga!
Imagine a cara da pessoa quando ouve que “eu estudo cupins”. É um misto de espanto (isso existe?) com um período de “tela azul” (ou Error404) e sempre acaba com a pergunta: “como faz para matar?”.
O trabalho de campo com cupins é um trabalho pesado. Alguns dos ninhos são extremamente duros, outros estão debaixo da terra ou troncos de madeira. A coleta envolve muito suor e barro. Para alguns, algo incompatível com uma mulher, mesmo nos dias modernos e aparentemente liberais de hoje. Imagine isso na década de 50. Imagine isso para uma mulher negra na década de 50.
Mas Dona Margaret Collins não se intimidou e ainda ganhou o apelido de “Termite Lady” (em tradução livre aqui a “mina dos cupins”). Margaret nasceu em 1922 em West Virginia (lugar super racista, Ku Klux Klan friendly) e morreu em 1996 durante uma expedição de campo nas Ilhas Cayman. Cresceu como muitas biólogas crescem, cavucando coisas por aí, no caso dela, pelas florestas dos Apalaches. Toda vez que a pequena Margaret chegava em casa com uma rocha, um bicho ou planta, seus pais a incentivavam a tentar identificá-los.
Foi assim que, aos seis anos, Margaret se acostumou a pegar livros universitários e chaves de identificação na biblioteca local para dar nomes às plantas e animais que encontrava. Ela ainda novinha, manjava tanto de bichos que polemizou em uma ceia de Natal porque, para ela, era inacreditável que alguém acreditasse que as renas do Papai Noel voassem.
Ela era tão esperta, um verdadeiro prodígio, que avançou dois anos de escola e terminou o Ensino Médio aos 14 anos. Quando conseguiu uma bolsa de estudos para a West Virginia State College, mas perdeu essa bolsa ao final do primeiro ano porque teve grandes dificuldades de adaptação (imagina você com 14 anos na universidade!).
Então para pagar o curso universitário ela começou a trabalhar como empregada doméstica no seu tempo livre, mas nunca deixou de observar a natureza e tentar identificar tudo por aí. Tudo que ela descobria ela tentava identificar nos laboratórios da universidade. Vendo o esforço e a paixão de Margaret, um professor a contratou como auxiliar de laboratório e conseguiu recuperar a bolsa de estudos dela. Ela finalizou a graduação obtendo títulos na área de Biologia, Física e Alemão (!).
Logo depois ela ingressou no programa de doutorado da Universidade de Chicago. Foi quando conheceu o Dr. Albert Emerson, que se tornou seu orientador, um cientista bem importante para o estudo dos cupins. E foi estudando esses bichinhos lindos que ela conseguiu seu título de “Doutora em Zoologia”. Ela foi a 3ª mulher negra a conseguir essa titulação na área de Zoologia e a primeira na área de Entomologia.
Margaret Collins não teve um, nem dois, mas TRÊS títulos de professora titular em diferentes Universidades nos Estados Unidos: na Howard University, Florida Agricultural and Mechanical e no Federal City College (faculdades e universidades historicamente negras). Enquanto estava em Washington, ela também ocupou o cargo de Presidente da Sociedade Entomológica.
A mina dos cupins se considerava uma cientista de campo, e com o apoio financeiro da Howard University e do Smithsonian Institution, ela viajou para o México, Caribe e Guiana para estudar cupins ao longo de sua carreira. Nessas andanças ela identificou uma espécie nova de cupim: Neotermes luykxi Nickle and Collins, 1989.
Considerando apenas o trabalho de pesquisa e a paixão de Margaret já é bastante importante a sua contribuição. Mas quando essas conquistas são vistas dentro do contexto histórico em que ela viveu é realmente impressionante. O racismo e misoginia era algo naturalizado na época. Como exemplo do tipo de desafio que ela teve que enfrentar, podemos lembrar o “causo” que ocorreu enquanto ela era professora na Flórida, nos anos 1950. Nossa heroína deveria dar uma palestra em uma universidade próxima, predominantemente branca, sobre biologia e igualdade, mas a palestra foi cancelada em virtude de uma ameaça de bomba.
Ela teve um papel ativo no movimento pelos direitos civis de pessoas negras. No boicote aos ônibus em Tallahassee, 1956 (boicote que ocorreu por aquela palhaçada de separar negros e brancos dentro dos ônibus), Margaret ajudou a organizar caronas transportando colegas e estudantes negros ao trabalho durante o boicote.
Em 1981, ela publicou um livro chamado “Science and the Question of Human Equality” (Ciência e a questão da equidade humana), onde discutiu os conceitos de diversidade biológica e taxonômica, junto com as ideias de cultura humana e igualdade racial.
Margaret é um exemplo que deveria ser seguido por qualquer cientista: não ignorou os desafios sociais e trouxe esta discussão para dentro da Universidade. Sua carreira também reflete a importância do feminismo interseccional no debate sobre mulheres na Ciência.
Contribuições de Margaret Collins para a Terminologia:
Collins, M. S. 1959. Studies on water relations in Florida termites. I. Survival time and rate of water loss during drying. Quarterly Journal of the Florida Academy of Sciences 21 (4) [1958]: 341–352.
Collins, M.S. 1969. Water relations in termites.In K. Krishna and F.M. Weesner (editors), Biology of termites. Vol.1: 433–458. New york: Academic press, xiii + 598 pp.
Collins, M.S. 1979. Kartabo revisited: termite studies in Guyana. Sociobiology 4 (2): 211–213.
Collins, M.S. 1988. Taxonomic problems with termites of North America, Canada through panama. Sociobiology 14 (1): 207–210.
Collins, M.S. 1991. physical factors affecting termite distribution. Sociobiology 19 (1): 283–286.
Collins, M.S., and G.D. prestwich. 1983. Defense in Nasutitermes octopilis Banks (Isoptera, Termitidae, Nasutitermitinae): comparative effectiveness of soldier secretion. Insectes Sociaux 30 (1): 70–81.
Collins, M.S., and A.G. Richards. 1963. Studies on water relations in North American termites. I. Eastern species of the genus Reticulitermes (Isoptera, Rhinotermitidae). Ecology 44 (3): 600–604.
Collins, M.S., M.I. Haverty, and B.L. Thorne. 1997. The termites (Isoptera: Kalotermitidae, Rhinotermitidae, Termitidae) of the British Virgin Islands: distribution, moisture relations, and cuticular hydrocarbons. Sociobiology 30 (1): 63–76.
Outras contribuições:
Collins, M. S., Wainer, I. W., & Bremner, T. A. 1981. Science and the Question of Human Equality. Boulder, Colo.: Westview Press.
Para saber mais sobre Margaret Collins:
- Podcast: https://www.listennotes.com/podcasts/stem-fatale-podcast/episode-021-midtermites-6k49O-LTrKZ/
- Science Heroes: Dr. Margaret S. Collins, the ‘Termite Lady’: https://theethogram.com/2020/11/17/science-heroes-dr-margaret-s-collins-the-termite-lady/
- Margaret Collins: Scholar, Civil Rights Activist, and Mentor: https://siarchives.si.edu/blog/margaret-collins-scholar-civil-rights-activist-and-mentor
- Child Prodigy, Pioneer Scientist, and Women and Civil Rights Advocate: Dr. Margaret James Strickland Collins (1922–1996): https://bioone.org/journals/florida-entomologist/volume-99/issue-2/024.099.0235/Child-Prodigy-Pioneer-Scientist-and-Women-and-Civil-Rights-Advocate/10.1653/024.099.0235.full
- Margaret S. Collins – Entomologist and Civil Rights Activist: https://www.hbarsci.com/blogs/black-history-month/margaret-s-collins-entomologist-and-civil-rights-activist