O que os cupins podem ensinar aos humanos sobre a construção da sociedade?

A vida em sociedade, seja dos humanos ou dos cupins, requer cooperação e organização. Mas enquanto nas sociedades humanas a organização é geralmente baseada em leis e instituições, nos cupins não há um líder ou uma instituição que dita as regras de comportamento. Seria possível aprendermos com os cupins? 

A vida nas sociedades humanas normalmente requer leis e instituições para um adequado funcionamento de serviços públicos ou privados e de relações interindividuais. Embora exista uma variação entre diferentes sociedades, podemos fazer uma simplificação na qual a maioria possui um(a) chefe de Estado que deve seguir as condutas sociais, ditá-las e adaptá-las de acordo com as necessidades coletivas dos indivíduos que compõem tal sociedade. No geral, o papel de chefe de Estado é transformado em uma instituição, ou instituições, que definem, executam e julgam as leis/obrigações que cada indivíduo componente da sociedade deve seguir. Por exemplo, aqui no Brasil, para uma casa ser construída, a lei dita que um indivíduo formado em engenharia faça o projeto e coordene uma equipe de pessoas que irão levantar as paredes e cobrir o teto. Esse engenheiro, ou coordenador, embora não “pegue no pesado”, é o responsável legal pela casa, ou seja, ele responde legalmente caso a obra venha a ter algum problema.

Operários fechando um buraco no cupinzeiro.
(Cornitermes cumulans)

Paralelamente, a vida em sociedade nos insetos sociais, ou mais precisamente nos cupins, é um pouco diferente. Embora os cupins apresentem uma rainha (e um rei!), estes indivíduos não atuam diretamente como chefes de Estado, como o nome deles sugere. Eles influenciam, até certo ponto, o aspecto fisiológico dos indivíduos da sociedade, muitas vezes inibindo o desenvolvimento dos operários e impedindo que estes se reproduzam, por exemplo. Contudo, a rainha e o rei não compõem uma instituição que define, executa e julga as obrigações de cada indivíduo membro da sociedade. Nos cupins, os indivíduos respondem instintivamente aos sinais ambientais. Então, se voltarmos ao exemplo da construção de uma casa, os operários não precisam de um projeto definido por um indivíduo, como o engenheiro na sociedade humana. Nos cupins, o ambiente estimula cada um dos operários a executar o serviço, indicando exatamente o local em que cada “tijolo” deve ser colocado para subir uma parede.

Mas o que seria um “estímulo ambiental”?  Vamos supor que um tamanduá quebrou um pedaço de um ninho, e deixou um buraco ali. Nesse buraco vai entrar luz, vento e umidade e os cupins rapidamente detectam essa abertura por meio destes estímulos. Uma vez detectada a abertura, eles se comunicam entre si, sinalizando através de vibrações ou sinais químicos, e então iniciam uma obra para o fechamento. Uma vez iniciada a tarefa, os operários entram em um processo chamado de estigmergia1, um mecanismo que coordena indiretamente as atividades de construção a partir da interação entre o agente (cupim operário) e a ação (construir a parede). Enquanto existe uma fresta da janela aberta que permite o estímulo do ambiente chegar aos indivíduos, esses indivíduos continuam a colocar “tijolos” até que se feche completamente. Só então, quando a janela é totalmente vedada e o estímulo acaba, os operários cessam a construção. Esse processo não envolve nenhum engenheiro ou coordenador para a atividade. Cada operário que sente o estímulo da construção automaticamente pega um “tijolo” e vai até a parede para assentá-lo, instintivamente.

Alguns cupinzeiros podem chegar à 4 metros de altura! (Nasutitermes triodiae, Austrália)

Comportamentos sociais instintivos, como esse descrito no processo de construção realizado pelos cupins, não possuem paralelos na sociedade humana. Se não existir um engenheiro ou coordenador do projeto que dite a cada operário da obra onde devem ser colocados os tijolos e erguidas as paredes, dificilmente uma casa será construída. Já no caso dos cupins, cada operário “sabe” a sua função e essa condição torna o processo de construção descentralizado. Não somente o processo de construção, mas todos os outros comportamentos coletivos necessários para o funcionamento da vida em sociedade. É como se cada componente da sociedade já soubesse das leis (e de suas obrigações) para viver junto aos demais. Imagine só, como seria se não precisássemos de alguém (ou alguma lei) para nos dizer e ensinar o que deveríamos fazer para executar qualquer tarefa coletiva necessária para a vida em sociedade? Não precisaríamos de instituições ou chefes para organizar a sociedade e possivelmente nem existiriam Estados (nações).

Claro que existem comportamentos humanos instintivos, como o de se cobrir com um cobertor ao sentir frio ou o de comer algum alimento ao sentir fome. Mas diferente dos humanos, os comportamentos instintivos nos cupins, mesmo os individuais, têm um fundamento coletivo. Fazendo um paralelo para deixar mais clara essa ideia, é como se um operário que sentisse frio saísse cobrindo os demais indivíduos até que todos na sociedade estivessem confortavelmente aquecidos. Em um caso mais extremo, um estudo2 mostrou que os operários dos cupins só alimentavam os companheiros de ninho quando estivessem com fome, ou seja, os cupins soldados, que não conseguem se alimentar sozinhos, só recebiam alimento se os operários que os alimentam estivessem com fome. Nos cupins, portanto, a resposta comportamental ao estímulo fome é alimentar os irmãos.

O fato da sociedade humana ter uma base cultural permite aprender com os cupins algumas questões de construção da sociedade que são inatas a eles, principalmente no que diz respeito a comportamentos coletivos que beneficiam a sociedade como um todo, sem a necessidade de um coordenador ou chefe ditando os deveres de cada um para garantir os direitos de todos. Contudo, é importante ressaltar que a cognição, ou seja, a possibilidade de aprendizado, permite às sociedades humanas discernir entre comportamentos instintivos que sejam adequados para o benefício de todos os indivíduos daqueles que são importantes para a sobrevivência, mas que não necessariamente contribuem para uma sociedade mais igualitária. Para nós, seria até bizarro pensar, por exemplo, que uma mãe alimentasse seu filho somente quando ela sentisse fome. Por outro lado, seria incrível se pudéssemos aprender com os cupins a ideia de coletividade envolvida em comportamentos altruístas, que beneficiam os membros da sociedade como um todo, a exemplo do frio e de todos terem direito a um agasalho.


Texto por Ives Haifig
(Prof. da UFABC)


Referências

1 Grassé PP (1959) La reconstruction du nid et les coordinations inter-individuelles chez Bellicositermes natalensis et Cubitermes sp. La théorie de la stigmergie: essai d’interprétation du comportement des termites constructeurs. Insect Soc 6:41–81

2 Su NY & La Fage JP (1987) Initiation of worker-soldier trophallaxis by the Formosan subterranean termite (Isoptera: Rhinotermitidae). Insect Soc 34:229–235 https://doi.org/10.1007/BF02224355

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