Sobre comer madeira e a possibilidade disso aí virar uma refinaria de biocombustível

Você sabia que a capacidade dos cupins de comer madeira pode vir a ser utilizada para produzir combustível de uma forma mais sustentável?

De acordo com o pesquisador Andreas Brune, do Instituto Max Planck, na Alemanha, os cupins tem o potencial de converter uma folha de papel A4 em dois litros de combustível. Isso mesmo! Se você colocar uma folha de sulfite na “mão” de uma colônia de cupins, isso pode virar um combustível para o seu carro rodar alguns quilômetros.

Mas antes de pegar uma folha de papel sulfite, e colocar dentro de uma colônia de cupins achando que vai sair combustível, você deve ter notado que a palavra “potencial” está em negrito ali em cima, certo? Pois é, ainda não temos tecnologia necessária para conseguir aproveitar essa capacidade desses insetos, mas é justamente essa possibilidade que tem feito pesquisadores pelo mundo todo se debruçarem sobre esses pequenos bichinhos.

Para entender melhor o que esses pesquisadores estão buscando, você precisa primeiro saber como acontece a digestão da madeira , então vamos lá (para quem não lembra, papel sulfite é feito de madeira ;-).

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Os tecidos vegetais, especialmente a madeira, são ricos em duas moléculas que muito grandes e “duras” (difíceis de quebrar em moléculas menores): a celulose e a lignina. As duas juntas dão sustentação, resistência e proteção, tanto proteção mecânica quanto para evitar a perda de água. Ou seja, essas moléculas é que dão rigidez e impermeabilidade para as plantas, e por isso são tão difíceis de serem quebradas.

Mas então como os cupins conseguem tal façanha? Bom, na verdade os cupins dependem de outros seres vivos para isso, uns seres extremamente pequenos, bem menores que um cupim, pois vivem dentro deles. Isso mesmo, dentro do trato digestório de apenas um cupinzinho, existe uma enorme diversidade de microrganismos. Algumas espécies de cupim possuem bactérias e protozoários. Outras, apenas bactérias… Mas, independente disso, geralmente se tem mais de 200 espécies (e milhões de indivíduos) desses microrganismos em apenas um indivíduo de cupim! Esses microorganismos ajudam os cupins quebrarem a celulose e lignina encontradas na madeira. Quando quebradas, essas partes menores poderão ser absorvidas mais facilmente pelo inseto para gerar energia, ou seja, eles conseguem se alimentar delas. E é justamente durante a quebra dessas moléculas que a “mágica” acontece.

Durante o processo de quebra da celulose e da lignina no trato digestivo dos cupins, diversas reações químicas ocorrem ali, e alguns produtos dessas reações são potenciais combustíveis, como o hidrogênio e metano. Ou seja, o intestino dos cupins são verdadeiras micro-usinas!

E chamar de usina não é à toa! As usinas de produção de álcool (etanol) a partir da cana-de-açúcar pelo interior do Brasil utilizam um processo similar ao que que acontece dentro do intestino dos cupins: quebra de outras moléculas presentes no caldo da cana. A diferença principal aqui, é que não se aproveita a celulose do bagaço da cana.

Alguns desses processos também acontecem nos estômagos de vacas, por exemplo, mas enquanto nesses animais apenas cerca de 30 a 40% da celulose e lignina são quebradas, as usinas intestinais dos cupins conseguem mais de 80% de eficiência nesse processo! Conclusão: cupins, vacas e reatores de combustível… é tudo farinha do mesmo saco.

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E é justamente por essa eficiência que os pesquisadores estão estudando esse insetos. A ideia é tentar imitar como os cupins quebram a celulose em laboratório, na esperança de conseguir produzir biocombustíveis de forma similar, mas numa escala maior que a de um pequeno operário de cupim. E, assim, poderemos criar uma fonte de combustível renovável e sustentável para os nossos carros a partir da celulose.

A busca por essa eficiência também está atrelada ao fato de que a maior parte da energia que a gente utiliza no nosso dia-a-dia provém da energia dos combustíveis fósseis… só que uma hora essa fonte vai acabar, além de emitir gás carbônico e contribuir com as mudanças climáticas. Diminuir os custos e os impactos do processo de quebra da celulose, que é bom lembrar, é a molécula orgânica mais abundante no planeta representa uma alternativa bem mais sustentável.

E então, será que no futuro poderemos usar combustíveis produzidos a partir de processos similares aos que ocorrem nos cupins em nossos carros? Pode parecer futurístico, né? Mas o presente está aí para nos mostrar o quão diferente é nossa vida daquela dos nosso pais e avós graças aos avanços da ciência e tecnologia..

Texto por Natalia Uehara
Publicado originalmente em 07/02/2018

Referências:

Brune, A. (2014) Symbiotic digestion of lignocellulose in termite guts. Nature Reviews Microbiology 12.3 : 168-180. [DOI 10.1038/nrmicro3182]

Brune, A. & Ohkuma, M. (2011) Role of the Termite Gut Microbiota in Symbiotic Digestion. In: D.E. Bignell et al. (eds.), Biology of Termites: A Modern Synthesis. [DOI 10.1007/978-90-481-3977-4_16]

Brune, A. (1998) Termite guts: the world’s smallest bioreactors. Trends in Biotechnology 16.1: 16-21. [DOI 10.1016/S0167-7799(97)01151-7]

Comments

  1. Marcos goes says:

    Ótimo trabalho!
    Após perder muito tempo na internet encontrei esse blog
    que tinha o que tanto procurava.
    Parabéns pelo texto e conteúdo, temos que ter mais
    artigos deste tipo na internet.
    Gostei muito.
    Meu muito obrigado!!!

    1. Gabriel Olivieri says:

      Muito obrigado Marcos! Ficamos felizes que tenha gostado do texto. Abraço

  2. WELLINGTON says:

    As vezes as soluções estão nas coisas mais simples e debaixo de nossos narizes, artigo interessante.

    1. Tiago Carrijo says:

      Exatamente Wellington! Obrigado!

  3. Excelente trabalho!
    Parabéns pelo texto e conteúdo, muito bom.
    obrigada!!!

    1. Tiago Carrijo says:

      Obrigado Silvia!

  4. Muito bom. Gostei mesmo.

    1. Tiago Carrijo says:

      Obrigado!! =)

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