No dia 31 de março é comemorado o dia internacional do cupim. Os cupins, ou térmitas, são insetos extremamente importantes para os ecossistemas terrestres, mas são reconhecidos geralmente apenas pelos seus lados negativos. Por isso, pesquisadores e entusiastas dos cupins propuseram criar uma data para a valorização e reconhecimento da importância desse grupo. Essa data foi escolhida através de uma votação nas redes sociais em 2021, por meio de uma colaboração do perfil TODO sobre las TerMiTaS, da Espanha, e o projeto de divulgação científica da Universidade Federal do ABC, Wikitermes, no Brasil. O dia escolhido foi o aniversário do naturalista Fritz Müller (1822-1897), um pioneiro nos estudos sobre a Teoria da Evolução e considerado o primeiro termitólogo do Brasil.
Por que um dia internacional para os cupins?
Ao falar de cupins, a primeira imagem que vem à mente da maioria das pessoas são móveis e estruturas de madeira estragadas. Por isso, os cupins são amplamente reconhecidos como pragas e acabam causando o sentimento de raiva nas pessoas. Entretanto, poucas pessoas sabem que, das aproximadamente 3 mil espécies de cupins conhecidas, apenas 12,4% (371) já foram reportadas como pragas, e apenas 3,5% (104) são realmente consideradas ameaças sérias.
Ainda mais relevante, boa parte das pessoas desconhece a importância que esses insetos desempenham nos ecossistemas terrestres. Os cupins são importantes agentes na decomposição de matéria orgânica, consumindo desde madeira e restos de plantas, até material vegetal já bem decomposto no solo (húmus). Ao processar o alimento, eles participam ativamente do Ciclo do Carbono e Nitrogênio.
Suas atividades de construção de ninhos, galerias e escavações também desempenham importantes serviços ecossistêmicos no solo. Essas atividades descompactam o solo, que fica com maior porosidade e melhora a infiltração e retenção de água, inclusive ajudando a evitar erosão. Da mesma forma, eles movimentam nutrientes aumentando a disponibilidade de nitrogênio, minerais e matéria orgânica para para plantas e outros organismos.
Algumas espécies de cupins são consideradas “espécies-chave” nos ambientes onde vivem, pois criam abrigos para outros animais, que vão desde outros insetos e artrópodes até vertebrados como pássaros, lagartos, cobras e pequenos mamíferos.
Por fim, além da importância ecológica, os cupins possuem uma biologia e história evolutiva extremamente interessantes… Por exemplo, os cupins são baratas sociais, com suas colônias formadas geralmente por um rei e rainha (férteis) e operários e soldados (estéreis). As rainhas e reis podem viver até 100 vezes mais do que um operário, por isso, vêm sendo bastante utilizados em pesquisas sobre fatores de envelhecimento. Alguns indivíduos possuem morfologias e comportamentos complexos para auxiliar na defesa da colônia, incluindo comportamentos suicidas…
E esses são apenas alguns exemplos, dentre vários, que demonstram o quão importantes e interessantes os cupins são, e merecem um dia para lembrarmos deles. Esses exemplos também nos mostram o quanto pessoas já se dedicaram e se dedicam ao estudo desses insetos. Desta forma, o Dia do Cupim também é um momento de confraternização e memória daqueles que dedicaram, dedicam e vão dedicar suas vida ao estudo dos cupins / térmitas.
Quem foi Fritz Müller?
Como dito acima, o Dia Internacional do Cupim foi escolhido em 2021, através de uma votação nas redes sociais, e o dia escolhido foi o aniversário do naturalista Fritz Müller (1822-1897). Os trabalhos de Müller tiveram grande importância na biologia, pois ajudaram a fortalecer a Teoria de Evolução de Charles Darwin, testando na prática a teoria da seleção natural. Por ser um pesquisador de campo, sempre focou na observação, sendo apelidado de “o príncipe dos observadores”.
Johann Friedrich Theodor Müller nasceu na Prússia, atual Alemanha, no dia 31 de Março de 1822. O primeiro ano de celebração do Dia do Cupim, é também o aniversário de 200 anos do nascimento de Fritz Müller!
Müller teve contato com a natureza desde pequeno, realizando passeios nos bosques e campos da sua terra natal com seu pai e avô materno. Morou por um período com seu avô, que era farmacêutico, e até chegou a fazer um curso de farmácia. Durante esse curso, passou a ter maior interesse por botânica, e então começou a realizar cursos na área de ciências naturais.
Em 1852 mudou-se para o Brasil, por conta de discordâncias políticas com a situação na Alemanha. Em 1856 se tornou professor em Florianópolis, Santa Catarina, onde viveu por 11 anos.
Após ter contato com as obras de Darwin, realizou vários estudos e pesquisas que ajudaram a validar as teorias com que teve contato. É provável que a maioria das pessoas conheça parte do trabalho de Müller quando estudou os tipos de mimetismo na escola. O nome mimetismo mülleriano é uma homenagem ao seu descobridor, que propôs, a partir de observações e um modelo matemático, que poderia ser vantajoso evolutivamente quando dois (ou mais) seres vivos perigosos ou impalatáveis para predadores evoluíssem formas ou padrões similares.
Müller foi um cientista à frente da sua época, que além de se apoiar em novas teorias, também não aceitava explicações que envolviam influência de forças sobrenaturais. Suas observações de crustáceos em Santa Catarina o fizeram publicar seu único livro: Für Darwin (para Darwin, em alemão). Após a publicação de seu livro, passou a se corresponder com Darwin e até a fazer parcerias em pesquisas que ajudaram a moldar o conjunto de teorias evolutivas do séc XIX. Essa amizade durou 17 anos até o falecimento de Darwin em 1882.
Qual a relação de Fritz Müller com os cupins?
Müller é considerado o primeiro termitólogo do Brasil. Ele realizou estudos pioneiros sobre a biologia e anatomia dos cupins entre os anos de 1870 e 1890, trabalhando com animais do leste de Santa Catarina. Ele publicou quatro artigos relacionados aos cupins. No primeiro, discute a existência de dois sexos nas castas não reprodutivas das espécies Glyptotermes canellae, Rugitermes nodulosus e Rugitermes rugosus (Kalotermitidae). No segundo, fala sobre os diversos tipos de ninhos de diferentes espécies de cupins, inclusive descrevendo a espécie Anoplotermes pacificus (Apicotermitinae). O terceiro é sobre aspectos da reprodução dos cupins e, por fim, o quarto trata sobre a morfologia interna e externa de duas espécies de Rugitermes, principalmente em seu estado juvenil. Com seus estudos, foi o primeiro a elucidar a existência de cupins de madeira seca e a origem das asas dos alados.
Infelizmente, os trabalhos de Müller são pouco citados, e muitas de suas descobertas são utilizadas como se fossem domínio público, enquanto outras estão descritas apenas em documentos antigos em alemão, e disponíveis em poucas bibliotecas. Desta forma, para não deixar que sua memória e contribuição sejam apagadas, o Dia Internacional do Cupim homenageia seu aniversário.
Texto por: Marcella Rosa e Emily Calisto
BIBLIOGRAFIA
Fontes, LR, (2007) Fritz Müller – Primeiro termitólogo do Brasil. Blumenau em Cadernos 48 (5/6): 24-41.
Fontes, LR & Hagen, S, (2010) Fritz Müller – O primeiro cupinólogo do Brasil. Vetores & Pragas, Rio de Janeiro, vol. 26, pág. 4-7.
Fontes, LR, (2021) Fritz Müller, patrono da Ecologia. Vetores & Pragas , v. 57, p. 5-8
Govorushko, S, (2019). Economic and ecological importance of termites: A global review. Entomological Science. Entomological Science, v. 22, n. 1, p. 21-35.
Pela importância de Fritz Müller no cenário científico brasileiro, além dessa homenagem, outras inicitiativas deveriam ser feitas, tanto em Santa Catarina, como em nível nacional.
Uma vida rica e tão produtiva deveria ser um exemplo à juventude científica brasileira.