Pequenas “joias” nos intestinos de cupins revelam uma diversidade desconhecida

Recentemente uma nova espécie de Orangotango foi encontrada por cientistas nas Ilhas de Sumatra. Super legal, né? Encontrar novas espécies de mamíferos é super difícil, porque tem bastante gente estudando, e então, a probabilidade de achar espécies novas é bem menor. Por isso é muito mais difícil encontrar uma espécie nova de orangotango do que de um cupim. Mudando de orangotango para cupim, porque isso aqui é uma página de cupins E você sabe quantas espécies novas de cupins foram descobertas por cientistas só nos últimos dois anos? 13 espécies novas!

Hoje, conhecemos aproximadamente 3 mil espécies de cupins no mundo todo, e elas são organizadas em várias famílias, subfamílias e gêneros. Vamos falar aqui especificamente de uma subfamília: Apicotermitinae (ou carinhosamente apelidada de “Apicos”). E por que os Apicos? Porque resolveram fuçar nos intestinos desses cupins cinzas no Museu de Zoologia Porque uma pesquisadora do Museu de Zoologia da USP, Joice Constantini, resolveu estudar os Apicos da Mata Atlântica em sua tese de doutorado, e acabou descobrindo pelo menos 20 espécies novas, com previsão de agrupá-las em 10 gêneros(!) novos – e isso somente na Mata Atlântica. Incrível, não é mesmo?

Mas aí você pode perguntar: ué, se tá cheio de espécie nova por aí, porque ninguém vê e comenta nada?! Como é que funciona isso? É mais ou menos isso mesmo quase ninguém vê e comenta nada. A diversidade que existe é muito grande! Se você já fez uma trilha em algum parque com matas naturais, muito provavelmente deve ter pisado em cima de uma colônia de uma espécie de cupim ainda desconhecido. E te digo mais, se você quer ver uma espécie nova de cupim, o lugar mais fácil para achá-la não é nem mesmo no mato, mas sim em uma coleção científica (como a do Museu onde a Joice trabalha).

E aí você já deve estar se perguntando novamente… Mas se está no Museu, como é que elas são novas?! O que acontece, é que o trabalho de um taxônomo (os cientistas que “descobrem” e classificam espécies novas) é bastante minucioso e demorado. Uma espécie só é dita conhecida pela ciência depois que ela possui uma descrição da sua morfologia publicada em uma revista científica, e quando recebe é batizada com um nome. Essa descrição é preferencialmente acompanhada de ilustrações bem feitas e comparações com outras espécies próximas. Para dar o nome, é necessário seguir algumas normas internacionais, regidas por um código (o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica).

Tá meio confuso, né? Imagine a seguinte situação: você tem uma caixa gigante de brinquedos de diversos tipos, e de diversos tamanhos e cores (no caso, seriam 600 brinquedos, ou 600 amostras de cupins, com cada amostra sendo vários indivíduos de uma colônia). De repente, você resolve organizar assim, num dia qualquer depois do carnaval todos esses brinquedos em uma prateleira, separando por tipos diferentes. Intuitivamente, você começa separando bonecas, carrinhos, pelúcia, livros, e coisas de colorir, por exemplo. Quando você olha para a caixa de bonecas, você começa a separá-las de várias formas, analisando o que faz uma boneca ser diferente uma da outra: material (pano e plástico). E aí, você vê que algumas bonecas de plástico mexem os olhos, e outras, não. Você vai dando nome para cada grupo que você separa, e no final, você tem uma lista com os nomes de todos os brinquedos, separados em grupos. #OQueVoceSempreQuisTer

O processo de análise de amostras em um museu, na qual, os taxônomos se debruçam, é bastante similar. Existem inúmeros trabalhos de biologia, onde são realizadas coletas de amostras. O duro é que muitas vezes essas amostras não chegam a ser identificadas até o nível de espécie (justamente pela dificuldade desse trabalho), e acabam ficando armazenadas nas coleções científicas… Em outras palavras, o processo de coletar e depositar (guardar) acaba sendo muito mais rápido do que o trabalho de taxonomia, por isso os museus e coleções científicas espalhadas pelo mundo estão cheias de espécies novas, esperando para serem descritas e receberem um nome. Pois é, muitos dos Apicos da Joice estavam lá guardadinhos no museu, esperando a sua hora até o dia que a Joice, resolveu “brincar” com eles (e, achando pouco, foi coletar mais!). Preste atenção ao seguinte fato: apenas uma pesquisadora, analisando somente um bioma, tem essa quantidade de espécies novas na mão (20!), imagine a estimativa da quantidade de espécies para uma região com mais diversidade de espécies, como a Amazônia!?

É claro que existem grupos que são mais “favorecidos” e mais estudados do que outros. A quantidade de pesquisadores que trabalham com os grupos dos Mamíferos e das Aves é muito maior em relação aos que trabalham com insetos, por exemplo. Mesmo dentro dos cupins, alguns são mais bem estudados do que outros. Os Apicos foram particularmente desprezados menos estudados pelos taxonomistas, porque as espécies que ocorrem aqui na nossa região não possuem a casta do soldado. Essa casta tem a maior parte das características que definem uma espécie entre os cupins. Sobrou para a Joice então, buscar diferenças entre as espécies estudando características como o enrolamento do tubo digestório dos operários (como no gif acima), e uma estrutura muito particular dos cupins, chamada de válvula entérica (VE). A VE possui ornamentações bem bonitas (algumas parecem verdadeiras joias de ouro quando olhadas no microscópio) que pode ajudar a separar uma espécie de outra – mas como o nome diz, é uma válvula no intestino dos cupins. Imagina só o que é uma micro-cirurgia no tubo digestório, de aproximadamente 4 milímetros de tamanho, de um cupinzinho!

E aí, você achou que tem muito Apico para ser descrito ainda? Pois saiba que existem estimativas que devem existir ainda, aproximadamente 4,4 milhões espécies de insetos para serem estudadas e classificadas pelos cientistas. Sim, hoje são conhecidas pela ciência 1,1 milhões de insetos, e esse número é provavelmente apenas 20% da diversidade atual. Agora você percebe a importância de ter mais pessoas trabalhando com taxonomia, e políticas públicas que estimulem e fomentem a formação contínua de pesquisadores nessa área?

Com taxas de desmatamento que estamos de áreas nativas (como a própria Mata Atlântica, que possui hoje menos de 20% da sua área natural), é provável que muitas dessas espécies sejam extintas antes de serem descritas, ou nunca nem mesmo sejam descobertas e coletadas. A velocidade e rapidez com que o habitat desses organismos sofrem interferências dos seres humanos não acompanha a velocidade do levantamento das espécies feitos nesses ambientes, justamente pela falta de incentivos e pesquisadores da área. É muito provável que quando acabarmos de descrever as espécies que estejam nos museus, a maioria delas talvez já estejam extintas. E, se essas espécies entram em extinção, perde-se um mundo de possibilidades e potenciais, como seus serviços ecossistêmicos, ou pesquisas com substâncias para a medicina, por exemplo.

Se você chegou até aqui, ajude-nos a compartilhar com o mundo sobre a importância de estudar a natureza.

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