O “dicionário” dos cupins foi reescrito

A classificação dos cupins sofreu importantes mudanças a partir de análises evolutivas robustas e consenso de especialistas.

Cupins têm uma má reputação, e a maioria das pessoas considera esses insetos como pragas. Um status que só ganhou força após a recente inclusão deles dentro da ordem das baratas.

Mas os cupins que realmente causam problemas para nós, humanos, representam apenas 3,5% de todas as espécies destes insetos. Enquanto isso, as demais espécies de cupins são na verdade consideradas engenheiras dos ecossistemas, pois participam da ciclagem de nutrientes nos solos, decompõem materiais vegetais e desempenham o importante papel de bioturbadores: assim como tratores aram o solo antes de plantarmos algum cultivo, os cupins aeram o solo, trazem nutrientes subterrâneos para superfície e permitem que a água infiltre em camadas mais profundas do solo – tudo vital para a vida das plantas. Cupins também são construtores exemplares: seus ninhos permitem manter a temperatura interna amena, mesmo sob o sol escaldante, inspirando sistemas de ar condicionado sem uso de energia externa em arquitetura inteligente.

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Termes fatalis (Termitidae: Termitinae): A primeira descrição formal de um cupim foi realizada pelo próprio “pai” da classificação biológica, Linnaeus, na 10ª edição do seu famoso Systema da Nature (Linnaeus, 1758:609).

Assim como muitos ecossistemas dependem da base fornecida pelos cupins, o estudo dos cupins também requer uma base sólida. E agora, uma nova classificação para o nível de família dos cupins foi criada graças ao esforço de nada menos que 46 pesquisadores de todo o mundo, inclusive do Brasil (e do Wikitermes!). O trabalho, baseado em consenso de especialistas e extensas análises de dados foi publicado na Nature Communications.

“Resolvemos a ambiguidade da classificação anterior com uma análise modular e muito robusta das famílias dos cupins”, diz o Dr. Simon Hellemans, autor principal e membro da Unidade de Genômica Evolutiva do Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa (OIST), no Japão. “Com este novo ‘dicionário’, temos uma base sólida a partir da qual podemos estudar a diversificação dos cupins e os papéis que desempenham em seus ecossistemas, bem como acomodar futuras descobertas.”

Uma família reunida através da distinção

Taxonomia, a classificação científica de grupos (ou táxons) de organismos, é uma disciplina antiga que fundamenta toda a biologia: “Se você quiser observar algo na natureza, precisa definir suas unidades de observação”, como diz o Dr. Hellemans. A classificação pode ser arbitrária – o animal não se importa se o rotulamos de Heterotermitidae ou Rhinotermitidae – mas é uma categorização necessária que permite aos pesquisadores limitar o escopo de seu estudo e se comunicar claramente. Até a introdução do sequenciamento moderno de DNA, essas distinções eram geralmente feitas com base em análises morfológicas, pelas quais os organismos são classificados por suas características físicas e comportamentos e colocados em relação uns aos outros com base em semelhanças. Mas embora possa ser fácil determinar como os chimpanzés e humanos são diferentes dos gorilas, determinar visualmente a diferença entre dois cupins pode ser mais difícil.

Com o tempo, a subjetividade da análise morfológica levou a uma árvore genealógica (filogenética) confusa para os cupins. Alguns cupins se diversificam muito rapidamente, o que significa que essas espécies evoluíram rapidamente em comparação com outras. E ainda assim, apenas dez famílias distintas foram identificadas, o que teve que acomodar muitos animais morfologicamente distintos com relacionamentos evolutivos incertos.

Três termos são usados para descrever o relacionamento entre grupos de espécies: monofilia, polifilia e parafilia: um grupo monofilético de espécies compartilha um ancestral comum e inclui todos os descendentes desse ancestral, grupos polifiléticos geralmente compartilham características comuns, mas não um ancestral comum, e grupos parafiléticos incluem um ancestral comum e seus descendentes, mas não todos. Após teoria de evolução ser amplamente aceita na biologia, e com o desenvolvimento da sistemática filogenétia, as classificações biológicas buscam reconhecer apenas grupos monofiléticos, ou seja, grupos parafiléticos e polifiléticos devem ser evitados, enquanto os monofiléticos são aqueles que recebem um nome formal. O problema com cupins, que é um grupo monofilético dentro da ordem das baratas, é que a classificação tradicional no nível de famílias e subfamílias ainda tinha uma grande quantidade de parafilia e polifilia devido à confusão sobre os relacionamentos evolutivos.

A nova árvore da vida das famílias e subfamílias de cupins. Cada ramificação indica uma divisão entre famílias e subfamílias a partir de seu último ancestral comum. Ramos vermelhos são subfamílias que antes eram todas definidas como pertencentes à subfamília Termitinae (da família Termitidae), enquanto ramos azuis eram anteriormente definidas como da família Rhinotermitidae. Fotos são cortesia: T. F. Carrijo, P. Eggleton, G. Josens, S. Hellemans, C. M. Kalleshwaraswamy, M. M. Rocha, R. H. Scheffrahn e J. Šobotník.

“Graças a extensas análises de dados e novos levantamentos morfológicos, conseguimos eliminar completamente a parafilia e a polifilia na árvore genealógica dos cupins nesse nível, dividindo as famílias e subfamílias que não eram monofiléticas”, explica o Dr. Hellemans, “e, ao fazê-lo, criamos um sistema que pode acomodar efetivamente a descoberta de novas linhagens preservando ao mesmo tempo nomes históricos de família e subfamília. Isso é fundamental para fornecer uma nomenclatura estável de cupins. A taxonomia também é construída sobre registros históricos, por isso isso é muito importante.”

Comparação da fontanela, a abertura no centro da cabeça que secreta um líquido defensivo, entre duas espécies de cupins – a espécie praga C. gestroi (esquerda) e a não praga D. longilabius (direita). Anteriormente, a família Rhinotermitidae incluía espécies com (D. longilabius) e sem (C. gestroi) um sulco estreito anterior à fontanela, mas essa inconsistência agora foi esclarecida graças a análises filogenéticas, e espécies sem o sulco, como C. gestroi, foram retiradas de Rhinotermitidae. Fotos: Esquerda: Thomas Chouvenc, UF/IFAS. Direita: Simon Hellemans, OIST.

Agora, toda família e subfamília dentro da nova árvore da vida dos cupins é monofilética, esclarecendo os relacionamentos evolutivos entre as espécies e grupos de espécies, e tornando significativamente mais fácil encaixar espécies recém-descobertas ou reclassificadas. A nova árvore também destaca a diversidade dos cupins, o que permite uma precisão muito maior em pesquisa e controle de pragas. Por exemplo, o Coptotermes gestroi, uma espécie praga de cupim muito importante, era classificada na família Rhinotermitidae junto com espécies que não são consideradas pragas importantes, como Dolichorhinotermes longilabius e Rhinotermes marginalis, devido às suas semelhanças morfológicas e ecológicas. No entanto, estudos filogenéticos iniciais sugeriram que C. gestroi pode não ser intimamente relacionada com essas outras duas espécies, o que agora foi confirmado por meio de levantamentos filogenéticos e morfológicos mais avançados, que reclassificaram C. gestroi na família Heterotermitidae.

Construindo a fundação juntos

Reescrever o “dicionário” da vida não é uma tarefa simples. Mais do que qualquer coisa, requer consenso – afinal, uma classificação é inútil se houver discordância sobre as definições.

Imagem gerada por IA (https://www.bing.com)

O trabalho para atualizar a árvore da vida dos cupins começou durante um simpósio no OIST em 2022, organizado pelo professor Tom Bourguignon, chefe da Unidade de Genômica Evolutiva. Nesse simpósio, a Unidade propôs uma estrutura para revisar a árvore da vida, que incluía pesquisas morfológicas e análises de dados alimentadas pelo supercomputador do OIST. Revisões filogenéticas de sistemas de classificação são frequentemente baseadas em um modelo de dados que pode levar semanas para um supercomputador calcular, e cada vez que um ajuste é feito, o processamento começa novamente. “Nossa classificação é baseada na convergência de 51 modelos, cada um dos quais levou cerca de 2 semanas para calcular”, relata o Dr. Hellemans. “Isso só foi possível graças ao Deigo, que nos permitiu executar as análises em paralelo.” Deigo é o nome do principal cluster de supercomputação operado pelas Instalações do OIST (OIST Core Facilities), batizado com o nome da flor símbolo de Okinawa, e que está disponível para todos os pesquisadores do OIST.

“A filogenética não pode ficar sozinha”, enfatiza o Dr. Hellemans. Enquanto os pesquisadores usaram modelos computacionais para marcadores de DNA para determinar o relacionamento evolutivo entre as famílias, os modelos não levam em conta os hábitos dos cupins nem os papéis que desempenham em seus ambientes. Esse conhecimento foi fornecido pelos especialistas humanos que dedicaram suas vidas a um subconjunto de nosso mundo vivo e que têm uma familiaridade inestimável e científica com as espécies que estudam. O Dr. Hellemans resume o esforço: “Mesmo que tenha sido difícil coordenar um projeto colaborativo desse tamanho, o novo sistema de classificação de cupins é maior do que a soma de suas partes. Com isso, temos uma estrutura muito mais sólida para o estudo desses importantes engenheiros do ecossistema.”


Artigo da publicação original: Hellemans et al. (2024) Genomic data provide insights into the classification of extant termites. Nature Communications.


Este texto foi originalmente publicado pelo Okinawa Institute of Science and Technology (OIST) e adaptado pelo Wikitermes.

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