Estratégias reprodutivas em cupins: famílias tradicionais e famílias modernas

Colônias de cupins podem apresentar uma diversidade fascinante de formas de se reproduzirem. Veja alguns exemplos abaixo, e como os estudos nesse campo estão sendo realizados.

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Certo dia, pesquisadores japoneses abriram um ninho do cupim Reticulitermes speratus e encontraram o que viria a ser o maior harém já encontrado na natureza [1]. Um único rei estava na presença de 676 rainhas(!), obtendo o recorde que pertencia aos elefantes, em que um único macho chegou a viver com 250 fêmeas de uma só vez [2]. Essa extravagante forma de reprodução é completamente diferente da monogamia, em que apenas dois indivíduos interagem sexualmente entre si durante toda a vida (em tese, o sistema que a maioria das culturas humanas adotam.. em tese..).

O sistema monogâmico também é o mais comum entre as espécies de cupins, quando todos os indivíduos de uma mesma colônia são irmãs e irmãos, filhos de um único casal real (um rei e uma rainha), é o que explica o Prof. Dr. Ives Haifig, da Universidade Federal de Uberlândia. Quando a monogamia ocorre em cupins, a colônia é classificada como “família simples”. Nesse caso, para um determinado gene, somente quatro alelos (dois do pai e dois da mãe) podem aparecer na colônia, com um máximo de quatro combinações entre eles (a Fig. 1 mostra isso bem).

Entretanto, diversos sistemas surpreendentes de reprodução podem ser encontrados nos cupins. Em várias espécies, a reprodução da colônia pode ser substituída (quando ocorre a morte do casal real – ou de um deles) ou suplementada por reprodutores secundários (quando o casal ainda continua vivo), que se desenvolvem e colaboram com a reprodução da colônia. Nestes casos, podemos classificar essas colônias com reprodutores secundários como “famílias estendidas” (quando estes reprodutores são filhos do casal real) ou “famílias mistas” (quando eles são provenientes de diferentes casais)(Fig. 1)[8].

As famílias estendidas são identificadas geneticamente quando suas colônias apresentam um máximo de quatro alelos (provenientes do parentais), mas apresentam mais de cinco genótipos, o que elimina a reprodução envolvendo somente dois indivíduos (Fig. 2). Nas famílias mistas, mais de quatro alelos podem aparecer nas colônias, decorrente da reprodução envolvendo indivíduos não aparentados. Estes reprodutores secundários geralmente são reprodutores neotênicos, que são indivíduos que desenvolvem o sistema reprodutivo, mas retém características juvenis. Existem neotênicos tanto “ninfóides” (quando derivam de ninfas) quanto “ergatóides” (quando derivam de operários) (Figuras 2 e 3).

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Apesar dessa diversidade de sistemas de reprodução já conhecida para cupins, foi em 2009 que foi documentada aquela que seria a estratégia reprodutiva mais complexa já conhecida para esses insetos. Quando os pesquisadores estudaram geneticamente os indivíduos do harém de R. speratus, eles encontraram uma nova estratégia reprodutiva, que foi chamada de “sucessão assexuada da rainha” (do inglês Asexual Queen Succession – AQS) [4].

Neste sistema, as rainhas produzem filhas através de óvulos não fecundados, em uma forma de reprodução chamada partenogênese. Assim, dezenas, e até centenas, de filhas herdaram 100% do material genético materno, ou seja, são clones de suas mães (Fig. 4).

Mas qual a vantagem de uma estratégia reprodutiva como essa? Segundo o Prof. Ives, essas filhas partenogenéticas irão se tornar rainhas secundárias, que poderão substituir a rainha primária se ela morrer ou suplementar a reprodução da colônia, reproduzindo-se concomitantemente à mãe, de modo que o material genético materno continua na colônia por inúmeras gerações (mesmo após a morte da rainha). Além disso, ao invés de apenas uma rainha botando ovos, a colônia passa a ter dezenas ou centenas de rainhas, todas clones e botando ovos! Então os cientistas especulam que essa pode ser uma estratégia para um rápido crescimento da colônia.

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 Apartir desse trabalho, dezenas de pesquisadores começaram a procurar esse sistema em outras espécies de cupins ao redor do mundo. Um desses pesquisadores é o Prof. Dr. Ives Haifig, que dedicou seu pós-doutorado a estudar o sistema reprodutivo de duas espécies que ocorrem na América do Sul. Na região Neotropical, onde a diversidade de cupins é muito grande, a ocorrência deste sistema já foi encontrada em pelo menos quatro espécies [5; 6; 7].

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Algo interessante que foi descoberto é que algumas espécies evolutivamente próximas (inclusive do mesmo gênero) podem apresentar estratégias reprodutivas distintas. No Brasil, o Prof. Ives identificou que reprodutores secundários (neotênicos) da espécie Silvestritermes euamignathus não eram aparentados entre si, então constituíam uma família mista [9]. Por outro lado, outra espécie do mesmo gênero, Silvestritermes minutus, pode apresentar o sistema AQS [7]. Esta variação de reprodução entre espécies próximas também ocorre no gênero Reticulitermes [10].

Para desvendar a estrutura genética dentro das colônias (famílias), os pesquisadores utilizam “marcadores de microssatélites”. Microssatélites são pequenos fragmentos de DNA repetitivos que podem apresentar uma alta taxa de mutação. Essa taxa de mutação faz com que tenha uma alta chance de indivíduos não aparentados terem cópias (alelos) diferentes. Assim, como cada indivíduo pode carregar apenas duas cópias, uma que veio da mãe, e outra do pai, ao estudar vários indivíduos de uma mesma colônia, é possível inferir se todos são irmãos de um mesmo pai e/ou mãe, ou se existem indivíduos filhos de pais e mães diferentes.

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Resumindo, a reprodução em cupins não segue um padrão. Diferentes espécies desenvolveram diferentes formas de se reproduzir e aumentar o número de indivíduos dentro da colônia, ou estratégias para substituir reis e rainhas que eventualmente morrem. Considerando a diversidade de espécies de cupins existente, e o quanto esse tipo de trabalho ainda está no começo, muito ainda é necessário por parte dos pesquisadores para desvendar todas essas estratégias, e tentar entender melhor a diversidade de famílias existentes nesses insetos.


Texto por Iago Bueno
Publicado originalmente em 30/04/2018


Referências

[1]. Matsuura, K. (2010). Sexual and asexual reproduction in termites. In Biology of termites: a modern synthesis (pp. 255-277). Springer, Dordrecht.

[2]. Modig, A. O. (1996). Effects of body size and harem size on male reproductive behaviour in the southern elephant seal. Animal Behaviour, 51(6), 1295-1306.

[3]. Reichard, U. H. (2003). Monogamy. The International Encyclopedia of Primatology.

[4]. Matsuura, K., Vargo, E. L., Kawatsu, K., Labadie, P. E., Nakano, H., Yashiro, T., & Tsuji, K. (2009). Queen succession through asexual reproduction in termites. Science, 323(5922), 1687-1687.

[5]. Matsuura, K. (2017). Evolution of the asexual queen succession system and its underlying mechanisms in termites. Journal of Experimental Biology, 220(1), 63-72.

[6]. Fougeyrollas, R., Křivánek, J., Roy, V., Dolejšová, K., Frechault, S., Roisin, Y., … & Sillam‐Dussès, D. (2017). Asexual queen succession mediates an accelerated colony life cycle in the termite Silvestritermes minutus. Molecular ecology, 26(12), 3295-3308.

[7]. Hellemans, S., Bourguignon, T., Kyjaková, P., Hanus, R., & Roisin, Y. (2017). Mitochondrial and chemical profiles reveal a new genus and species of Neotropical termite with snapping soldiers, Palmitermes impostor (Termitidae: Termitinae). Invertebrate Systematics, 31(4), 394-405.

[8]. Vargo, E. L., & Husseneder, C. (2010). Genetic structure of termite colonies and populations. In Biology of termites: a modern synthesis (pp. 321-347). Springer, Dordrecht.

[9]. Haifig, I., Vargo, E. L., Labadie, P., & Costa-Leonardo, A. M. (2016). Unrelated secondary reproductives in the neotropical termite Silvestritermes euamignathus (Isoptera: Termitidae). The Science of Nature, 103(1-2), 9.

[10]. Dedeine, F., Dupont, S., Guyot, S., Matsuura, K., Wang, C., Habibpour, B., … & Luchetti, A. (2016). Historical biogeography of Reticulitermes termites (Isoptera: Rhinotermitidae) inferred from analyses of mitochondrial and nuclear loci. Molecular phylogenetics and evolution, 94, 778-790.

Comments

  1. Sou biólogo e trabalho há 30 anos na área de controle de pragas urbanas. Eu estava me Florianópolis SC – Brasil, de férias e ao caminhar pelas dunas observei um termiteiro danificado por pessoas que estava caminhando na minha frente e, ao parar para ver os cupins me deparei com várias rainhas e consegui contar até oito delas. Naquele dia eu não compreendi como um ninho de cupim poderia ter várias rainhas.
    Agora lendo esse artigo, obtive a resposta. E as rainhas eram muito parecidas com as da primeira fotografia. Como eu digo, ” todo dia é dia de ter uma aula diferente”

    1. Tiago Carrijo says:

      Muito bacana André! Que bom que o texto foi útil. =)

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