Conhecer como a Ciência funciona é muito importante, principalmente em épocas de negacionismo e desinformação, em que pseudociências podem se alastrar rapidamente em uma população analfabeta cientificamente. Por isso, vamos explorar aqui o “método científico”, utilizado para responder perguntas sobre como o mundo funciona de uma forma racional e ordenada – como um detetive procurando por respostas numa cena de crime!
A cientista Alison Brody e seus colaboradores serão os detetives que nos ajudarão nessa jornada, e a cena do “crime” é uma região na savana africana, no Quênia. Ao andar por lá, notamos algo curioso (o suposto “crime”!): existe uma espécie de árvore muito comum na região, chamada acácia, e parece que alguns indivíduos dessa espécie se reproduzem melhor que outros. Por que será que isso acontece?
Um bom cientista/detetive observa o mundo real e faz boas perguntas. Então a equipe de cientistas observa o entorno das plantas em busca de pistas. Eles percebem que existem cupinzeiros perto de algumas plantas. Já consigo até imaginar os pesquisadores/detetives se entreolhando dizendo praticamente juntos: “será que são os cupins que estão ajudando essas árvores?!”.
Muito bem, nós temos o “crime” (o fato curioso, observação do mundo real) e temos o principal “suspeito” (hipótese) desse crime: cupins realmente ajudam no desenvolvimento dessas árvores?
Mas é claro, como bons detetives, sabemos que não basta suspeitar de algo para atribuir-lhe a responsabilidade e que observar rapidamente a vegetação não é o suficiente para bater o martelo e dizer que os cupins contribuem para uma melhor reprodução e desenvolvimento das acácias. É preciso buscar evidências!
Para prosseguirmos com a investigação, a primeira coisa de que precisamos é saber como reunir essas evidências através de experimentação. Na nossa história, o grupo de pesquisadores/detetives estabeleceu critérios para medir quais árvores se desenvolvem pior e melhor, e quais se reproduzem mais ou menos. A “detetive” Alison seleciona 451 árvores, e então sugere o levantamento de dois dados importantes de cada uma delas: 1) se cada árvore frutificou ou não, porque a frutificação/reprodução é um dado importante para entender o estado de saúde de uma planta; e 2) a distância de cada árvore para o cupinzeiro mais próximo, para entender se de fato o cupinzeiro está exercendo influência sobre as plantas mais saudáveis.
Para “quebrar nosso galho”, Alison já coletou esses dados na “cena do crime”, então o que nos resta é analisá-los. Para isso, faremos uso de uma ferramenta de análise estatística chamada “regressão logística”, que tem o objetivo de mostrar se existe relação entre duas ou mais variáveis, ou seja, ela irá nos mostrar se a proximidade dos cupinzeiros (variável 1) influencia ou não a produção de frutos pelas árvores (variável 2).
Muito bem, nossa análise estatística está completa graças a Alison, que nos mostrará o veredicto: os resultados mostram que as acácias localizadas próximas à cupinzeiros têm maior produção de frutos! Para sermos mais exatos, 31% das acácias perto de cupinzeiros frutificaram, enquanto que somente 14% entre árvores distantes dos nossos suspeitos reproduziram-se. Parece que os cupins interferem de forma importante no desenvolvimento delas.
Além dos resultados que acabamos de apresentar, fomos puxar o “histórico criminal” dos cupins, e outros estudos mostraram que eles são importantes para plantas em florestas durante períodos secos, e que eles também estão associados a um aumento da produtividade agrícola. Esses resultados reforçam os nossos resultados, e é fundamental para um bom trabalho de pesquisa/investigação ter um bom levantamento bibliográfico sobre o assunto estudado. Boa ciência se faz ao longo do tempo, reunindo informações de vários estudos, de vários pesquisadores diferentes para um bom consenso. É como se uma teoria fosse um muro, e cada trabalho investigativo que corrobora com a teoria é como um novo bloquinho colocado nesse muro.
Pelo que tudo indica, já temos os “criminosos”. Considerando o conjunto de dados levantados pela equipe de Alison e a revisão bibliográfica, existem evidências bem sustentadas que a proximidade com cupins contribui para que as acácias tenham maior produção de frutos, e portanto, há relação deles com o desenvolvimento das árvores!
Uma possível explicação para os resultados encontrados pela nossa equipe de detetives, é que quando os cupins constroem seus ninhos, eles alteram as propriedades e estrutura do solo. Essas mudanças podem favorecer diretamente o desenvolvimento da planta, como também dar condições para que mais microrganismos se estabeleçam no solo, e isso será crucial para a renovação dos nutrientes dessas áreas (como o nitrogênio, por exemplo), mas que fique claro, essas novas tentativas de explicação (ou hipóteses) também precisam ser testadas através de novos experimentos.
É bom já avisarmos vocês que a vida nem sempre é tão simples. Nossa hipótese foi confirmada pela análise, mas não é sempre que isso acontece. Então o que aconteceria se não tivesse se confirmado? Bom, aí temos que avaliar cuidadosamente se nossos experimentos e coletas de dados têm algum problema ou viés. Caso não tenham, provavelmente devemos abrir mão de nossa hipótese inicial (sim, às vezes dói abrir mão de uma ideia, mas um bom cientista precisa saber fazer isso!).
Também é importante ressaltar que esse experimento de Alison considerou uma grande parcela de cupinzeiros e acácias, já que isso diminui as chances de erro da pesquisa. Portanto, quando você ouve alguém falando por aí: “meu primo de terceiro grau tomou cloroquina e sarou da covid-19”, entenda que um caso não é o suficiente para você afirmar que o medicamento funciona, da mesma forma que olhar para somente um cupinzeiro e uma árvore também não responde nossa pergunta. É importante ainda considerar outros fatores que podem influenciar o fenômeno observado. No caso das acácias existem várias outras relações ecológicas que também podem estar relacionadas ao crescimento da planta. E no caso do meu primo isso também pode estar acontecendo. Para entendermos se esse “crime” tem mais de um “culpado”, é necessário investigar outras hipóteses, a bibliografia, e/ou fazer novos experimentos. É importante tomar cuidado com o tal “viés de confirmação”.
A gente não pode deixar de comentar que a ciência é dinâmica, e não é uma verdade absoluta, então a hipótese que atualmente concorda com os dados pode ser contestada por novos dados. Sendo assim, quando a ciência se transforma, não significa que ela ou os cientistas mentiram, mas sim que ambos se aprimoraram.
Esperamos que esse texto traga uma reflexão para você, e que te ajude a alcançar um pensamento crítico sobre as pseudociências. Que você não acredite em qualquer coisa que se diga científica, que por mais inofensiva que possa parecer, pode trazer junto dela uma série de malefícios à sociedade.
Referências:
Brody, A. K., Palmer, T. D., Fox-Dobbs, K. & Doak, D.F. (2010). Termites, vertebrate herbivores, and the fruiting success of Acacia drepanolobium. 91:399–407.
The RECOVERY Collaborative Group (2020). Effect of Hydroxychloroquine in Hospitalized Patients with Covid-19. N Engl J Med; 383:2030-2040.
Gonzales, M. S. F. S. (1973). El método científico. Revista de la Universidad de Costa Rica.
Truett, J., Cornfield, J. & Kannel, W. M. D. (1967). A multivariate analysis of the risk of coronary heart disease in Framingham. J. chron. Dis., 20:511-524.